Em conversa com Pedro Carriço – uma inspiração de vida
Falamos com Pedro Carriço, pois achamos a sua história inspiradora. Contra todas as expectativas Pedro consegue praticar kitesurf e muitos outros desportos.
Falamos com Pedro Carriço, pois achamos a sua história inspiradora. Contra todas as expectativas Pedro consegue praticar kitesurf e muitos outros desportos.
Nome: Pedro Carriço
Anos de Kite: praticante de kitesurf desde 2009 (8 anos)
O Pedro é uma pessoa normal como todos nós. Gosta de praticar todo o tipo de desportos, não é profissional de nenhum, e tem um emprego fora do âmbito do desporto. Até aqui tudo bem, não fosse o Pedro ter uma característica que o distingue em parte de todos nós.
Iniciou-se no kitesurf em 2009, e desde então não imagina parar este desporto. Para além do kitesurf, era também activo com outros desportos como snowboard, corrida, BTT, ginásio, entre outros.
Pedro é piloto de helicópteros, e em Dezembro de 2013, sofreu um grave acidente de helicóptero, enquanto inspeccionava linhas de alta tensão, embatendo numa linha que cruzava por cima da que estava a inspeccionar.
Fui helitransportado para o Hospital de Santa Maria onde estive internado cerca de 1 mês. Sofri uma amputação da perna direita abaixo do joelho e várias fracturas no húmero e cúbito esquerdo.
A sua primeira fase de recuperação demorou cerca de 4 a 5 meses, que consistiu em muita fisioterapia e adaptação à prótese.
Depois de passar esta fase, Pedro fez de tudo para recuperar a vida que tinha antes, nomeadamente no que toca aos desportos que praticava antes do acidente.
5 meses após o acidente lá estava ele a tentar voltar a sentir a adrenalina de andar de kitesurf.
Apesar desta “incapacidade” nada demoveu esta paixão e o Pedro torna-se num role model a seguir no que toca à capacidade de se ultrapassar.
O que foi preciso para voltar para cima de uma prancha com um kite na mão?
Precisei de ir à praia da Nova Vaga e de ter um amigo (Tiago Costa) dentro de água a fazer kite, depois, precisei que ele me mandasse uma boca ou duas enquanto saía da água, e por último, precisei de lhe pedir o equipamento emprestado e entrar na água.
Nada como ter o apoio emocional dos amigos, para nos incentivar a puxar por nós para irmos longe. Todo este apoio é fundamental na recuperação.
A primeira sensação foi muito boa, boa de mais até, pois a parte mais difícil não é conseguir voltar a fazer kite, mas sim conseguir voltar a fazer kite com conforto.
Andar de kite é como andar de bicicleta não se esquece… mas com a vantagem de que sempre que nos pomos em cima de uma prancha a emoção e adrenalina invade-nos, como se fosse a primeira vez que o fazemos.
Neste momento as dificuldades que o Pedro enfrenta são parecidas ao primeiro dia.
Não tenho praticado muito, não sinto qualquer dificuldade em fazer kite (o básico) à excepção do waterstart devido à dificuldade de meter a prótese nos pads. Nesta última viagem ao Brasil (Novembro) foi um dos pontos que quis, de uma vez por todas, resolver e assim foi. Mais uma vez, estava lá o indivíduo do costume a mandar umas bocas.
Qual o seu maior objectivo no que toca ao kitesurf?
Tenho um grande objectivo no kitesurf… continuar a praticar até que o esqueleto aguente, sempre com os amigos, a divertir e a passar bons momentos como tem sido até hoje.
Aos poucos o Pedro vai voltando aos desportos que fazia anteriormente.
Vou retomar o snowboard, que ainda não experimentei. Também não me sai da cabeça, a ideia de voltar à queda livre, que já não pratico desde 2010, é uma ideia que brevemente será posta em prática…
Outro grande feito do Pedro, para além do kitesurf, foi ele ter feito um Triatlo Olímpico, o que já por si é complicado para uma pessoa com duas pernas quanto mais para ele.
O “tal” indivíduo quando me visitou no hospital de Santa Maria fez uma aposta comigo, fazer o Triatlo Olímpico de Lisboa, em 2015. Ainda não estava em condições de fazer a corrida, portanto, fiz em estafeta com mais dois amigos, eu fiz a parte da bicicleta.
Em Maio de 2016, finalmente, cumpri a aposta e lá terminei o Triatlo Olímpico de Lisboa, debaixo de uma bela chuvada.
Talvez um dia serei eu a desafiar o indivíduo para qualquer coisita.
Para além da corrida, iniciou-se também no SUP, por considerar ser um bom treino para o equilíbrio na prótese, acabando por superar quaisquer expectativas que tinha anteriormente em relação a este desporto ao fazer em Setembro de 2014 a Travessia do Tejo, partindo do Parque das Nações (Lisboa), com destino a Alcochete.
A logística é alguma (como reparaste no Brasil), há que ter alguma paciência, um pouco mais de trabalho que o normal, mas lá se faz…
Em termos de adaptações, não precisei de grande coisa. No kite apenas uso a prótese aquática, mas sem qualquer adaptação à prancha
Inicialmente, tentou com a ajuda do Jorge Balau fazer um suporte para o calcanhar com uma câmara de ar da mota dele. Mais tarde, percebeu que a prótese não saía facilmente dos pads, acabando por desistir dessa engenhoca.
Para correr uso a prótese “Pistorius” e para pedalar uso a diária.
Apesar de o Pedro ter alcançado todos estes marcos, a corrida é o desporto que mais desafios lhe traz.
A modalidade que requer mais treino é sem dúvida a corrida. Cada metro custa muito, ainda não sei como fiz os 11km do Triatlo Olímpico, pois antes disso, o máximo que tinha feito em treinos (num dia de inspiração) foram uns 6 ou 7km…
Algo que acontece, e que eu pude assistir em pessoa, é o fascínio que as pessoas têm pelo Pedro. O facto de não ter uma perna e manter-se activo, a fazer desportos, alguns deles considerados de “Alto Risco” como o kitesurf, deixa as pessoas completamente boquiabertas. As pessoas, muitas vezes, não sabem como reagir ao vê-lo, fazendo um grande alarido. O Pedro lida com a situação de uma forma muito natural, e muitas vezes brinca com o assunto (ele é muito gozão no que toca a isto…)
Lido bem. Essas abordagens, como vocês sabem, acontecem muito no kite, é chamativo e as pessoas interessam-se. Ver um “perna de pau” pode ainda dar mais algum interesse… Uma vez, na Nova Vaga, eu estava a sair da água e uma pessoa que me abordou (sem reparar na prótese) começou a fazer as perguntas da praxe, depois terminou com “tenho um problema num tendão do pé que me dificulta o equilíbrio”, claro que aproveitei para mostrar o meu e perguntar “será que o problema é maior do que este?” e pronto… lá foi…
Outras vezes… gosta de brincar com a situação e quando lhe perguntam o que lhe aconteceu diz que foi um tubarão, e depois nós temos também que alinhar na brincadeira… acho que Cumbuco inteira pensa que o que aconteceu foi um ataque de tubarão em Portugal quando ele praticava kitesurf…Se forem lá e alguém perguntar se sabem de alguma coisa… já sabem… digam que sim 😂
A resposta do tubarão é dita mais ou menos com a frequência que me passa pela cabeça 😁
Não sei… já disse algumas vezes essa mas não é sempre…
A sensação é óptima! Quando se está algum tempo sem praticar é como tudo, a vontade vai passando, quando recomeças o bichinho vem logo de novo, depois é pensar em “técnicas” para conseguir fazer durante mais tempo e mais confortável.
Em Portugal não existe qualquer tipo de ajudas para pessoas como o Pedro. Ter uma perna aquática, ou uma Pistórios é considerado um luxo, independentemente de a pessoa ser uma pessoa activa anteriormente ao acidente ou não.
Depois de conhecermos o Pedro acabamos por ganhar uma nova perspectiva de vida, pois se ele conseguiu vencer todas aquelas adversidades, nós também conseguimos. Aquelas desculpas que, por vezes, arranjamos de “ah e tal… não consigo”, “não tenho preparação para isso”, ou “dói-me o dedo mindinho do pé, por isso, não vai dar”, no fundo não passam de desculpas que damos a nós próprios.
Precisamos de olhar bem para nós e perceber que somos capazes de muito, e que isso passa muito pela nossa vontade de conseguir alcançar determinados objectivos.
O Pedro é uma inspiração para todos nós, e ficamos todos muito contentes por o ver sempre bem–disposto e a provar-nos todos os dias que temos de lutar todos os dias por pequenas coisas da vida que no final vão valer a pena.